12 December 2010

"Alice no País das Maravilhas" e o Ocultismo

A verdade é que a verdade pode não ser, pois a ver da de mim, a ver da de você, a ver da de qualquer um, qualquer lugar e hora, todas elas são pedaços de um caleidoscópio. As ver da de Lewis e Einstem se assemelham, eles conseguiram ver da de relatividade nas coisas todas, cujo conjunto delas é que faz sentido, forma o todo, se quiser o absoluto.
Jos Perpel


Mari Shimizu


"Talvez Alice e Sophia sejam simplesmente as principais personagens da história arquetípica da viagem do herói que parte da segurança do lar em direção de terras estrangeiras que fazem pouco sentido, mas eventualmente oferecem grandes lições. A diferença é que Carroll e os gnósticos se atreveram a usar mulheres como protagonistas."


Reproduzimos e traduzimos abaixo o post de Miguel Conner para o blog Aeon Byte Gnostic Radio onde o autor (apressentador do programa radiofônico semanal em Chicago "Radioshow on Gnosticism") faz não apenas uma leitura gnóstica do clássico "Alice no País das Maravilhas" como, também, as conexões do autor Lewis Carroll com o Ocultismo e com todo o fluxo esotérico que invadiu as sociedades conservadoras vitorianas no século XIX. Essas conexões explicariam os profundos simbolismos míticos de Alice associado ao arquétipo de Sophia, a recorrente jornada do herói gnóstico que da Plenitude e Queda alcança, ao final, a Ressurreição e Renovação.

Miguel Conner


O sucesso da adaptação de Tim Burton de “Alice no País das Maravilhas” não deve surpreender ninguém. "Alice no País das Maravilhas" (e sua sequência "Através do Espelho”) tem fascinado crianças e adultos há mais de um século e meio, merecendo sucessivas edições impressas e remakes em diferentes formas de mídias.

Muito tem sido escrito sobre as peripécias da Alice, mas muito pouco sobre as inspirações ocultistas da estória e do seu criador, Lewis Carroll (nome real de Charles Dodgson). Isto é surpreedente, considerando que “Alice no País das Maravilhas” é uma das obras mais místicas e surreais de toda a literatura. Para além do seu impacto na cultura e arte contemporânea, o livro influenciou o ocultismo (Aleister Crowley exigia que seus discípulos lessem tanto "Alice no País das Maravilhas" como "Através do Espelho").

Além da estória se constituir numa vibrante metáfora sobre uma criança no mundo estranho e, muitas vezes ilógico, dos adultos, Carroll poderia ter escondido idéias ocultas em seu clássico?



Mari Shimizu


É documentado que Carroll era um membro da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, uma organização fundada por um pastor anglicano para o estudo do Espiritismo, Percepção Extra-Sensorial (PES), clarividência e todo o tipo de atividade paranormal (entre os membros da sua filial americana estavam William e Henry James).

Martin Gardner afirma em "The Annotated Alice" que Carroll era um forte defensor da PES e psicocinese. O próprio Carroll escreveu que a mente poderia romper os reinos sobrenaturais:

"Tudo parece apontar a existência de uma força natural, aliada à eletricidade e à força nervosa, através do cérebro, e que pode atuar sobre o cérebro. Acho que vai chegar o dia em classificaremos isso entre as forças naturais conhecidas, e as suas leis tabuladas e, quanto aos cientistas céticos que sempre fecham os olhos até o último momento para todas as provas que aponta para além do materialismo, terão de aceitá-la como um fato comprovado na natureza" (p.53).

Isto claramente ecoou em 'Alice no País das Maravilhas ", onde a lagarta possui o poder de ler a mente de Alice.

Em "Através do Espelho", de repente, Alice pega uma caneta e começa a escrever palavras ininteligíveis em um livro antes do rei branco. Gardner afirma que essa cena foi incluída porque Carroll acreditava na “Escrita Automática” (quando um espírito desencarnado utiliza-se da mão de um médium) (p. 147).

Este poderia ser o segredo do enigma esotérico famoso de Carroll: "Por que um corvo é como uma escrivaninha?" Afinal, os corvos são mensageiros simbólicos dos mortos, enquanto a Escrita Automática (realizada em uma mesa) é também uma forma de comunicação com os mortos.

Por último, relata-se que Carroll era possuidor de uma grande coleção de livros sobre o ocultismo (pág. 53).



É surpreendente a quantidade de provas sobre o seu interesse místico e como isso influenciou seus escritos. Carroll era diácono da Igreja Anglicana, assim como um homem muito privado, que não concedia entrevistas. E aí está o mistério sobre o desaparecimento dos seus extensos diários.

Aparentemente nada parece ser abertamente gnóstico em “Alice no País das Maravilhas” até reconhecermos alguns dos principais temas em torno da heroína.

A saga do Alice tem impressionantes paralelos ao mito da queda de Sophia, tal como descrito em alguns contos gnósticos:

. Ambas, de tédio, curiosidade e desobediência, são jogados em uma dimensão existencial (Alice - Sophia – O Chaos).

. Ambas, frequentemente, perdem a sua direção e os seus sentidos, e até ao auxiliadas por seres maliciosos (Alice - O Gato de Cheshire / Sophia - O Cristo Cósmico).

. Ambas parecem criar bizarras criaturas que elas têm de superar (Alice entidades diferentes, mas o dragão Jabberwocky-como é o exemplo mais famoso / Sophia-Jehovah, que aparece para ela sob a forma de um dragão)

. Ambas devem passar por testes emocionais para que possam retornar ao seu lar primordial (Alice-Inglaterra; Sophia-O Pleroma).

. Ambas representam a busca gnóstica da alma caída em busca do autoconhecimento, que trará restauração e liberação da matéria corrompida (Alice deve resolver diversas adivinhações e, muitas vezes, refletir sobre sua própria natureza / Sophia deve descobrir e pronunciar as preces corretas para compreender a si mesma e seu lugar dentro do reino eterno que ajudou a criar).

. Ambas percebem que eles são parte do sonho vívido de um Ultra-Ser Supremo (Alice - O Rei Vermelho / Sophia - O Espírito Virgem/Bythos).

. Ambas têm nomes que representam grandes virtudes humano (“Alice” significa Verdade/ “Sophia” significa Sabedoria).


Mesmo o maior evangelho gnóstico dos últimos tempos, o filme Matrix, faz alusão a “Alice no País das Maravilhas”. Isso acontece quando Morpheus (o deus dos sonhos) ensina Neo (Jesus gnóstico) que ele deve despertar não só acima de todas as realidades falsas, mas também confrontá-las:

"Imagino que agora você está se sentindo um pouco como a Alice. Hein!? Caindo no buraco do coelho!?

'Esta é a sua última chance. Depois disso, não há como voltar atrás. Você toma a pílula azul - A história acaba, e você acorda em seu quarto e acreditar no que quiser acreditar. Se tomar a pílula vermelha vai permanecer no País das Maravilhas e eu te mostrarei o quão profundo é buraco do coelho. "

Talvez Alice e Sophia sejam simplesmente os principais personagens da história arquetípica da viagem do herói que parte da segurança do lar em direção de terras estrangeiras que fazem pouco sentido, mas eventualmente oferecem grandes lições. A diferença é que Carroll e os gnósticos se atreveram a usar mulheres como protagonistas.

Em que medida Carroll usou seu conhecimento sobre ocultismo, isso nunca será plenamente conhecido. É simplesmente aceito que o diácono anglicano e matemático escreveu histórias para impressionar uma garota que o inspirou.


O que se sabe é que Carroll se junta a uma lista de artistas de prestígio que, a despeito de viver em sociedades conservadoras, mergulhou no fluxo do esoterismo e tirou das águas intemporais a criatividade mística. Pouco importa se 'Alice no País das Maravilhas' foi conscientemente influenciada pelo Gnosticismo. Como o Bispo Stephan Hoeller disse certa vez: "Qualquer artista sério já é um meio Gnóstico”.

Essas idéias podem realmente adicionar novas interpretações de leitura sobre os textos gnósticos, que nunca Lewis Carroll viveu para ver. É uma pena, porque tanto Carroll como os gnósticos apreciam trocadilhos, as interpretações selvagens, paisagens fantasiosas ricas em significados que não têm sentido a menos que possua a Sabedoria (Sophia) de uma criança ou a sagacidade de um filósofo-poeta. E aí é que reside a eterna ligação entre aqueles que mergulham no fluxo de esoterismo e as águas intemporais da criatividade mística.

Um exemplo divertido que Carroll pôde apreciar pode ser encontrada no Evangelho de Filipe, onde afirma que “a Verdade (Alice) não veio ao mundo (País das Maravilhas / A Matrix) nua, mas ele (ela) veio por meio de letras e imagens. O mundo (País das Maravilhas / A Matrix) não receberá a verdade (Alice) de qualquer outra maneira.”

Ou poderia seria Carroll acreditar, tal como Alice e Sophia, que os gnósticos tenham simplesmente despencado num buraco de coelho?

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Mari Shimizu