20 April 2010

Alice no Cinema | Švankmajer



ALICE: Neco z Alenky

Jan Švankmajer

Suíça / Alemanha Ocidental / Reino Unido, 1987, cor, 84 min.
Baseado em temas da obra de Lewis Carroll.
Elenco: Kristyna Kohoutová



Adriana Peliano

Primeiro longa metragem de animação do legendário e experimental animador tcheco Jan Švankmajer que tem realizado uma série de filmes bizarros desde meados da década de 60. Grande parte do seu trabalho é desenvolvida através de uma mistura explosiva de stop motion, fantoches e objetos, além de uma ampla variedade de sucatas, contracenando com atores e ações humanas. Seus personagens podem ser interpretados tanto por pessoas reais, quanto por máquinas, meias, esculturas de argila, bonecas e brinquedos antigos, até esqueletos e corpos de restos de experiência de taxidermia. Os cenários de seus filmes são em geral ruínas e paisagens decadentes, transformados com sucatas e restos da sociedade industrial, numa atmosfera sombria e decadente.

Esse universo remete diretamente aos antigos cabinetes de curiosidades dos séculos XVI e XVII, que reuniam coleções de espécies bizarras e objetos inusitados trazidos de viagens para terras distantes. Os surrealistas em geral, e o movimento surrealista tcheco em especial, adoravam esses gabinetes que incorporavam uma outra lógica outra que rompia com as expectativas racionais do senso comum. O país das maravilhas - wonderland - se torna também aqui um "cabinet of wonders", uma terra das curiosidades, habitada por criaturas híbridas e metamórficas que deslocam nossa percepção para mundos estranhos e surreais.




Contrariamente à grande maioria das versões de Alice, o país das Maravilhas de Švankmajer não é um parque de diversões, mas uma visão surreal e aterrorizante, capaz de provocar nas mentes mais impressionáveis, noites seguidas de pesadelos. Švankmajer adaptou a história de Carroll segundo um diálogo pessoal com o mundo dos sonhos da sua própria infância, enfatizando as ansiedades e obsessões que envolvem a passagem da infância para o mundo adulto.


Crescendo e diminuindo para passar por uma série de portas e gavetas, a Alice de Švankmajer se depara um universo assustador de intensa crueldade. A protagonista é interpretada por uma menina de carne e osso que quando diminui, se transforma numa boneca antiga, que passa a conviver num mundo fantástico, povoado por esqueletos de aves que atiram pedras, sapos e ratos empalhados, louças com línguas obscenas e entre tantas outras imagens bizarras, puppets de madeira com pedaços escorregadios de carne, que representam adultos sem vida e imaginação, quando chegam a abandonas completamente a infância, acusa Svankmajer. Essa opção de manter apenas Alice como humana enfatiza que a relação central que se estabelece é entre a menina perdida num mundo aparentemente sem sentido.




Seguindo uma forte tradição de animadores da Europa Ocidental (ligações evidentes com Lenika e Bovowczyk) e particularmente o movimento surrealista tcheco, descendente direto do maneirismo do século XVI, Švankmajer descobre imagens mais eloqüentes do que palavras. Alternadamente desolador e claustrofóbico, o diálogo é reduzido ao mínimo e a atmosfera de sonho é levada ao paroxismo, em uma atmosfera sinistra em momentos de intenso surrealismo.


A Alice de Švankmajer enfrenta obstinada uma série de ataques e agressões em uma rivalidade constante com os demais personagens, em especial o terrível coelho branco, um animal empalhado brandindo uma enorme tesoura, o principal rival de Alice. Nesse sentido, pode-se dizer que na adaptação de Švankmajer, muitos acontecimentos são representados muito fielmente em relação ao livro, mas muitas cenas e personagens também ficaram de fora, como o grifo, a falsa tartaruga, a duquesa e infelizmente, o gato de Chershire.






“Mas permanecem tantas alusões autênticas que se tem a sensação fora do comum de ver um velho e bem lembrado sonho em um novo e perturbador estado de alucinação.”
Philip Strick





Loira e de olhos azuis, mais para as ilustrações de Tenniel do que para as fotografias de Dodgson, a Alice de Švankmajer se engaja num intenso e deliberado debate existencial. A história começa como no clássico, com Alice sentada no campo ao lado de um riacho, mas logo é transposta para um interior claustrofóbico cheio de portas e gavetas que Alice deve a todo momento atravessar. Onde Carroll atribui a inspiração dos sonhos e de Alice aos sons rústicos de campo, Švankmajer antecipa de fantasia de Alice nos segredos e mistérios do quarto, com suas, relíquias e vestígios de seus antepassados.





Entre uma cesta de costura, louças, alguns laços, gravuras, coleções de borboletas e besouros ou uma ratoeira no chão, Alice busca encontrar o seu lugar no mundo. A partir dos objetos à sua volta, desenvolve-se o seu duelo constante com o conhecimento de seus antepassados, em sua lógica absurda e surpreendente, rompendo com todas as expectativas do senso comum, causando um desconforto maquiavélico.



Nesse sentido, a mesa de Alice com sua enorme gaveta de estímulos ilimitados é ao mesmo tempo um símbolo surrealista do seu inconsciente e uma sala comum de uma sala de aula. E a partir daí o processo educacional mostra suas falhas e impossibilidades, ao tentar iluminar os segredos e mistérios que Alice persegue em seu interior. Quase no fim, no momento de seu julgamento, Alice chega à conclusão de que a ela só é permitido dizer o que se supõe que ela diga, vivendo num jogo “de cartas marcadas”. E como qualquer contato com o incompreensível parece causar um pânico geral, ela imediatamente abandona esse ambiente decadente. Agora livre da tirania de seus antepassados, o sorriso sem rosto de Alice na cena final, passa a detonar nossos próprios enigmas e mistérios.





“O estilo de animação de Švankmajer é perfeito para essa história. Sua abordagem de sucata para a criação de fantoches, quando casada com a cadência staccato do stop motion, dão ao filme uma dose adicional de pesadelo. Deixando de lado os tons eróticos de Carroll e fugindo de extravagâncias desnecessárias em favor de um horror silencioso, ele criou um inquietador, e o mais definitivo contraponto à versão aguada da Alice de Walt Disney.”

Rich Dahm