ALICE ATRAVÉS DO ESPELHO
Releituras em verso de Letícia Dansa.
Ilustrações de Salmo Dansa.
Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
Formato: 19 x 27 cm. 76 pág. 16 ilustrações, cor.
Técnica mixta: colagem e arquitetura de papel.
Salmo Dansa, inspired by Tenniel’s illustrations, depicted Alice with collage and paper sculptures.
Foreign readers can copy the texto and immediately translate it at the Google translator
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Salmo Dansa também ilustrou Alice com colagens. As imagens se fragmentam e se deslocam criando desproporções e estranhamentos. Um mundo de sonho, que extravasa os limites da percepção comum. É interessante observar que Salmo Dansa também se inspirou nas ilustrações de Tenniel, dialogando com suas imagens. Mas podemos observar aqui a diferença, fecunda e instigante, entre a redundância e a originalidade. Entre o que se esvazia e o que se renova. Salmo Dansa encontra um delicioso equilíbrio entre a referência e a reinvenção, propondo uma leitura nova e instigante.
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Inseridas em suas colagens Salma Dansa cria curiosas e incríveis arquiteturas de papel. A página se torna espelho atravessado pela imagem, atravessada pelo olhar. Nas palavras de Salmo Dansa: “este trabalho partiu da idéia do espelhamento entre as páginas pares e ímpares; então, criei, com páginas de livros, imagens espelhadas, como esculturas de papel, para que você “entre” este livro como se ele fosse o espelho de Alice...” Atraves/suras.
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ENTREVISTA EXCLUSIVA
Interview
Quem é Alice para você? Qual a sua relação pessoal com a obra?
Sou apaixonado pelos livros de Alice, é algo que sempre me interessa e surpreende. Minha relação com a obra de Lewis Carroll começou há nove anos atrás quando meu professor me sugeriu ler Alice através do espelho devido a relação conceitual entre alguns trabalhos que eu estava fazendo e a obra. Foi um trabalho que demorou muito tempo para amadurecer e acho que ainda sei muito pouco sobre Alice.
Qual é o maior desafio dos livros de Alice para um ilustrador contemporâneo?
Alguns trabalhos tem uma identidade visual tão forte que fica difícil se desvencilhar dela. É o caso do trabalho de John Tenniel nos livros de Alice e Gustave Doré em Don Quixote. Acredito que se deva nesse caso elaborar trabalhos mais autorais, sem a preocupação de publicar com editoras tradicionais, mas buscar formas alternativas de publicação.
Você acha necessário que o ilustrador de Alice dialogue com as ilustrações clássicas de Tenniel?
Acho que a citação é parte fundamental da arte contemporânea, sem a história da arte alguns trabalhos se tornam áridos e difíceis de justificarem.
O que você acha que as técnicas da colagem e da escultura de papel acrescentaram às suas imagens, proporcionando novas leituras e interpretações para o texto?
A colagem é uma velha companheira minha. Durante os anos que estudei pintura fiz muitas colagens em diferentes formatos e ganhei intimidade com a técnica porque era barato e eu tinha tempo de sobra. As esculturas são “livros-objetos” e exploravam o espelhamento, ou seja, a inversão complementar entre as páginas. Esse trabalho foi como um ponto de chegada para o meu estudo de colagem e ponto de partida para o projeto de livro ilustrado uma vez que depois de ter essas esculturas comecei a fazer as imagens do livro usando a estrutura dos desenhos do J. Tenniel como base e usando a colagem de forma figurativa.
Esse processo foi muito estimulante para mim e acredito que para leitores atentos pode criar novas camadas de significado e consequentemente novas leituras e interpretações para o texto.
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O PRINCÍPIO DA COLAGEM
A colagem é um procedimento poético efetuado com elementos extraídos de desenhos impressos em livros, revistas, jornais, fotografias, figuras de propaganda e retalhos visuais que são incorporados ao quadro de maneira minuciosa. Herdeira direta do surrealismo, a colagem é fruto da aproximação entre realidades distantes, criando uma visão alucinatória e contraditória quando comparadas a realidade convencional. O caráter enigmático e ao mesmo tempo realista do sonho encontra na fotomontagem um terreno propício, numa lógica que aponta para outro sentido, que deve ser buscado entre fragmentos e associações inesperadas.
O princípio da fotomontagem juntamente com a colagem tornou-se um projeto poético e político nas vanguarda históricas, um dos grandes legados da arte moderna. A colagem no surrealismo teve expressão máxima na obra de Max Ernst, que desenvolveu a concepção surrealista da collage a partir da famosa imagem de Lautréamont do encontro de um guarda chuva e uma máquina de costura sobre uma mesa de dissecação, como o “acoplamento de duas realidades aparentemente inacopláveis sobre um plano que aparentemente não lhes convém.”
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Max Ernst. Colagem de “Une Semaine de Bonté”, 1934
No dadaísmo Raoul Hausmann foi o provável inventor do procedimento por ele batizado de fotomontagem. A fotomontagem no contexto do dadaísmo berlinense surgiu como uma proposta política provocativa e iconoclasta, através do emprego livre de peças da realidade visando ao ataque político. A fotografia comparecia como uma imagem ready made, que era colada junto a recortes de jornais, revistas, letras e desenhos, a fim de construir uma imagem caótica e explosiva, num desejo de destroçar a imagem do mundo, desmascarado em sua absurda falta de sentido. Introduzindo simultaneamente diversos pontos de vista e diferentes níveis de perspectiva na representação plástica, as fotomontagens dadaístas desmontavam um mundo de sistemas despedaçados, arrancando do caos dos tempos de guerra e revolução uma imagem nova, tanto visual quanto intelectual.
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Raoul Hausmann. Tatlin chez lui, 1920.
O construtivismo russo também adotou os procedimentos da fotomontagem dentro do contexto revolucionário. Durante a década de 20 ampliou-se cada vez mais o uso da fotomontagem combinado a novas técnicas tipográficas no campo da publicidade e da propaganda política para pôsteres, capa de livros, postais e ilustrações. Entre os artistas do construtivismo russo, destaca-se Alexander Rodchenko, cujas fotomontagens e cartazes são tão fantásticos quanto suas fotografias, onde rompe com os limites da percepção comum. Em 1923 fez uma série de fotomontagens para ilustrar o poema “Isto” de Mayakovsky. Centradas na imagem de Lily Brik, amante de Mayakovsky, as fotomontagens, assim como o poema, promovem um diálogo entre a condição do indivíduo e da coletividade. Foi a primeira vez que um livro foi inteiramente ilustrado com o uso da fotomontagem.
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Alexander Rodchenko. Ilustração para o poema de Mayakovsky “Isto”, 1923.
As técnicas da colagem e da fotomontagem estão entre as influências mais significativas das vanguardas modernas. Hoje podemos perceber que a técnica foi absorvida nos diversos universos gráficos e estéticos, entre eles a ilustração. Max Ernst ilustrou Lewis Carroll. Darcy Penteado já tinha ilustrado Alice com colagens na década de 60. Cores, texturas, símbolos gráficos, fotografias e vestígios de imagens dialogam com o texto, compondo um mundo em fragmentos, onde a linguagem e a construção da imagem são mais determinantes do que a realidade representada.