1 September 2009

Alice na Arte por Helenbar


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Helenbar

ENTREVISTA EXCLUSIVA
INTERVIEW



Por que Alice? Quem é Alice para você? O que mais te atrai no livro?

As versões infantis de Alice, sempre me deixaram muito intrigada quando era criança. Na adolescência, com uns 17 anos, finalmente li o original de Lewis Carroll, na excelente tradução do Sebastião Uchoa Leite e fiquei completamente encantada com o humor insólito, os jogos com palavras e costumes, e a total liberdade criativa. Desde então, tenho uma certa obsessão pelos mundos de Alice. Eles representam, para mim, uma mistura do sarcasmo e psicodelismo adultos com a mais encantadora nostalgia infantil. Acho que Alice muda um pouco a forma de a gente encarar a realidade, levando as coisas menos a sério, percebendo o surrealismo da vida e como o nosso cotidiano também faz tão pouco sentido.


Subjetivamente, o que significou para você ter vivido Alice em suas imagens?

Em 1992 fiz meus primeiros desenhos inspirados por Alice com pastel oleoso e guache, e neles já usei o auto-retrato. Em 2003, costurei meu vestido azul para uma festa temática de amigos e foi a partir daí, tentando recriar algumas daquelas primeiras imagens que comecei a trabalhar com a fotomontagem. Desde que li Alice no País das Maravilhas pela primeira vez, tive muita vontade de me sentir no papel da Alice e vivenciar todas aquelas situações. Foi assim que comecei a usar a minha própria imagem para o personagem, em uma espécie de realização pessoal. A narrativa de Carroll é recheada de imagens deliciosas, gosto de reconstruí-las na minha cabeça e poder ser Alice é uma grande satisfação. Toda garota já sonhou em estar num contos de fadas, esta é a minha maneira de concretizar este desejo.


Que técnicas e procedimentos artísticos você utiliza no seu trabalho?

O processo é bastante individual e solitário. Concebo as cenas, fotografo os objetos e a mim mesma, pesquiso imagens e referências, faço desenhos vetoriais e a manipulação de imagens. Como estou me inspirado numa estória riquíssima, a primeira coisa é ler trechos do livro, pra ver que imagens me despertam. As imagens surgem bem definidas na minha cabeça, como num flash. A fase de criação é bastante subjetiva, mas sempre envolve também alguma pesquisa de referências. Quando a idéia fica madura, produzo o personagem. Me "monto" de Alice, vou para um canto bem iluminado da minha sala ou da cozinha e me fotografo usando uma camera digital com timer e tripé. Como não estou me vendo no momento do click, faço muitas fotos para selecionar os elementos que quero. São quase 100 fotos para produzir uma única Alice. Faço um grande Frankstein, com um pedaço de cada foto, as vezes o rosto vem de uma, a perna de outra e o laço do vestido de outra ainda, tento reproduzir uma imagem idealizada em todos os detalhes... Quando o corpo está montado, começo a construir o cenário e os outros personagens. Fotografo muitas plantinhas em jardinzinhos na rua, os animais de estimação de amigos e pesquiso referências em livros e na internet também. O trabalho todo é feito usando apenas o Photoshop. É um processo muito artesanal mesmo, próximo da pintura, só que em vez de pincel, trabalho com uma tablet. Depois de tudo montado, fico muito tempo aperfeiçoando detalhes, cores, contraste e ajustando a composição final. As vezes deixo a imagem "descansar" um pouco, pois a gente sempre vê o trabalho com outros olhos, depois de um tempo. Só considero terminado quando estou plenamente satisfeita.


Quais são as suas referências e fontes de pesquisa? Que ilustradores de Alice você mais admira?

Sou muito influenciada pelo trabalho dos meus artistas favoritos, a maioria fotógrafos e pintores. Entre eles Pierre et Gilles, Mark Ryden, Gilbert and George, David la Chapelle, Jeff Koons, Joel Peter Witkin, Ray Caesar, Eugenio Recuenco... Alguns cineastas me influenciam muito também como Polanski, Cronemberg, John Waters, Brothers Quay, Tim Burton, Neil Jordan, David Lynch… Além da minha pequena coleção de brinquedos, santinhos e fotos antigas, que garimpo em feiras de antiguidades. Os brechós e mercados de pulga são universos muito estimulantes para mim. Meu illustrador preferido de Alice, além do clássico Tenniel é o Arthur Rackham. Gosto muito também de uma adaptação infantil da coleção Samba-lelê (imagem), que eu tinha quando era criança, não tem o crédito do ilustrador, mas foi meu primeiro contato com essa história e uma das imagens mais impregnantes de Alice na minha memória.




Que diferenças e vantagens você pode destacar entre o trabalho gráfico realizado digitalmente e as técnicas tradicionais?

A grande vantagem de trabalhar com o computador é poder fazer e desfazer tudo o tempo inteiro. Temos acesso a muitas e diferentes ferramentas ao mesmo tempo. A foto digital proporciona uma agilidade e um aprendizado instantâneo do que se deseja, temos muitas possibilidades de acabamento e refinamento do trabalho. Tenho a sensação de que é um processo mais empírico, pelo menos no meu caso, todas as etapas são muito testadas e refeitas até a conclusão. É um bordar e desbordar constante. Faz tempo que não trabalho com técnicas tradicionais de desenho, mas me lembro de ser uma experiência mais catártica, mais impulsiva e definitiva. Um artista escolhe um determinado material por suas características físicas, circunstanciais, contexto histórico, possibilidade de interação e permeabilidade para expressão de uma idéia. Não há melhor ou pior método, mas o mais adequado para cada fim, dependendo das restrições, intenções e objetivos. Me sinto mais adaptada e capaz de realizar idéias no universo digital.


Qual foi a recepção e a repercussão das suas ilustrações para Alice?


Comecei a publicar as imagens na internet sem nenhuma pretensão, por puro divertimento e realização pessoal. Na primeira semana, meu fotolog com as primeiras ilustrações de Alice, teve 3.000 visitas e em dois meses saiu na capa do caderno de informática do Globo. Foi um grande incentivo para que eu continuasse a desenvolver as ilustrações. Várias outras matérias em jornais e revistas nacionais se seguiram. Atualmente o blog tem um registro de mais de 1.200.000 visitas e meu site pessoal tem uma média de 3.000 visitas por mês. Nunca poderia esperar ter tanta visibilidade. Para mim, a grande "coroação" foi a publicação de uma matéria de capa no Knight Letter da Lewis Carroll Society Americana e a inclusão do link no site da Lewis Carroll Society do Reino Unido. Foi uma surpresa e uma grande honra. Me sinto realizada por ter o trabalho reconhecido por grandes admiradores de Carroll e por ter a chance de conhecer pessoas encantadoras com as quais tenho muitas afinidades.




BELIO experimental art-design magazine
Alice issue. Madrid, Spain. n¼ 19, p 109. jan. 2006.