13 January 2024

POP UP. “Alice Through the Looking Glass”.


 

 

Pop-up “Alice Through the Looking Glass”. Em Russo.

Ilustrações: Maxim Mitrofanov

@maxim_mitrofanov_illustrator

Arquitetura de papel: Oksana Ivanova

Publicado por AST em 2023

Disponível em @ruslaniabooks

 


 

Estou aqui encantada com essa joia rara que é a edição pop-up de Alice através do Espelho ilustrada pelo russo Maxim Mitrofanov e me batem a porta memórias de leituras e experiências. Quando tinha 5 anos ganhei uma edição de pop-up estilo carrossel de “João e Maria” dos irmãos Grimm que nunca mais encontrei, e dessa inspiração criei mais ou menos na época fantoches de meia e construí a casa de doces e biscoitos e escreveria e atuaria em uma peça de teatro pós-moderna sobre esse conto de fadas na escola aos 12 anos. Nesse percurso vivi intensamente essa ideia efervescente de que livros e seus moradores guardam mistérios e surpresas que atravessam limiares.

 

Disse uma vez o escritor italiano Giorgio Manganelli em sua brilhante leitura paralela das aventuras de Pinóquio: “Um livro a gente não lê; a gente se precipita nele. Ele está, a todo instante, em torno de nós”. E se abrir a capa de um livro for mesmo como abrir a primeira porta que nunca mais se fecha, revisito em Alice através do Espelho, uma história tão conhecida em que já mergulhei, ilustrei e atravessei tantas vezes, e reencontro com seus personagens que levantam da horizontalidade da folha e vivem comigo o desejo de que ganhem vida própria.

 

Eliza, a heroína do conto “Os Cisnes Selvagens” de Hans Christian Andersen, tinha um livro mágico de figuras, no qual tudo estava vivo. Os pássaros cantavam, e as pessoas saíram do livro e falaram com a menina e seus irmãos; mas, quando as folhas se viraram, voltaram a seus lugares, para que tudo estivesse em ordem. Com a memória desse conto, o filósofo Walter Benjamin discute se são mesmo os personagens que saltam do livro ou se são as crianças que mergulham na leitura de seus livros ilustrados.


Diante dessa caixa mágica eu responderia que acontecem as duas coisas. Os personagens saltam das páginas fisicamente, como se quisessem criar vida própria me lembrando dos clássicos da literatura infantil brasileira de Monteiro Lobato, em que os personagens das histórias de Dona Carochinha fogem dos livros para viverem novas aventuras no Sítio do Picapau Amarelo. Alice também visita o sítio nessa aventura intertextual. Tenho a hipótese de que possa ter sido uma possível inspiração de Lobato para a fuga dos personagens pode ter sido a visão de uma ilustração pop-up em uma edição específica de Alice no País das Maravilhas ilustrado pela inglesa Ada Bowley, cujas ilustrações estão nas primeiras edições de Alice no Brasil, adaptadas e publicadas por Lobato em 1931. Na capa do livro vinham as palavras “Come to live panorama”. 



CARROLL, Lewis. Father Tuck's Alice In Wonderland “Come to life” panorama. Ilustrações de A. L. Bowley. London - Paris - New York. Raphael Tuck & Sons. c. 1930.

 

Nesse caso específico do pop-up do espelho, abrir o livro não é só atravessar uma porta, mas também, literalmente, atravessar o espelho e entrar no gabinete de curiosidades da loja da ovelha, que considero o lugar mais mágico e quântico de toda essa obra de Lewis Carroll, com estantes repletas de desafios a serem desvendados, mas que se tornam vazias quando olhamos para elas. Aqui o olhar brinca de esconde-esconde, a mão brinca de era outra vez, a imaginação atravessa portais inesperados. Ao mesmo tempo, nos tornamos também Alices, interagindo com as cenas como num jogo de uma história sem fim, conversando com os personagens e dando vida aos desafios que o texto de Carroll nos apresenta e Mitrofanov e Ivanova nos convidam a jogar também.

 

Mitrofanov já ilustrou Alice no País das Maravilhas em formato pop-up. Ele tem também edições de Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho em formato padrão. Estou intrigada por descobrir algo óbvio que não tinha percebido antes com clareza ou simplesmente não tinha colocado em palavras. As ilustrações de Mitrofanov são muito vivas e dinâmicas, podemos sentir o coelho correndo pelo livro, a poça de lágrimas transbordando das páginas, somos colocados em ângulos que desafiam nosso equilíbrio nas vertiginosas transformações de Alice, e assim por diante. O ilustrador tem uma imaginação brilhante repleta de contos de fadas e livros de fantasia ilustrados anteriormente, e passar pelo seu Instagram me faz voltar às prateleiras da loja da ovelha, dos livros de Eliza e de Lobato, ou a ilustração panorama The Magic Bookcase de Robert Ingpen e imaginar os personagens saltando e atravessando os quadradinhos para começar novas histórias.

Mas encontrar detalhes curiosos e interligações insuspeitadas nas suas Alices. eis é um trabalho para os comentários nexialistas de @semperluxus, que tem um armário de maravilhas para os amantes das edições especiais de Alice e sua multidimensional história sem fim.

 

MANGANELLI, Giorgio. Pinóquio: um livro paralelo. São Paulo: Companhia das Letras, 2002

BENJAMIN, Walter. Livros infantis antigos e esquecidos. In: Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sergio Paulo Rouanet. 6. ed. São Paulo: Brasiliense,1993





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